sábado, 23 de fevereiro de 2013

Os aventureiros se encontraram numa manhã chuvosa de outono, na praça central de Rotwald, capital de Valachan. Cada um deles tinha uma história e uma boa razão para atender ao pedido do Conselheiro Guiltanas, um dos homens mais prestigiados da cidade. Eles foram reunidos ali para um serviço simples e bem pago: escoltar o jovem Emirikon até o Mosteiro da Lua Cheia, onde este seria iniciado nos assuntos da fé. Emirikon era pupilo de Guiltanas e tinha nascimento nobre. Pouco mais se sabia sobre aquele reservado homem. Os guias da caravana seriam o halfling Maurer – um antigo artista de circo que acabou ficando em Rotwald e tornando-se um pequeno golpista – e a elfa Käuinn, uma caçadora que morava reclusa nas matas próximas à cidade. Os dois eram profundos conhecedores das estradas locais e do misterioso caminho ao mosteiro, que o povo acreditava ser assombrado. Os demais fariam a guarda do nobre e ajudariam no transporte de seus pertences. Dois mercenários locais e a elfa Aistana – uma exilada de Sithicus conhecida na cidade como guerreira notável – seriam os responsáveis pela segurança de Emirikon.

O adiantamento de metade do soldo foi feito pelo Conselheiro e as últimas recomendações foram dadas. Tudo pronto para a partida quando, num último momento, um anão chamado Nicodemus, dito sacerdote de Ezra, pedira permissão para juntar-se aos viajantes alegando que existia uma vila no caminho onde seus serviços eram de extrema necessidade. Lorde Guiltanas e Emirikon acharam de bom agouro que um peregrino acompanhasse o bando e a permissão foi concedida, embora sem nenhum pagamento. Os propósitos do anão nesta jornada, no entanto, se revelariam outros.


Ao longo da viagem, o jovem nobre manteve um ar reservado, sempre esquivando-se  das conversas dos homens a seu serviço e de perguntas inoportunas sobre seu passado. Passava a maior parte do tempo lendo e anotando informações em seu diário e as poucas palavras que trocava eram com seu cavalariço Rufus. Os aventureiros, ao contrário, já dividiam causos sobre suas andanças e compartilhavam os boatos sobre a viagem e seus desafios, além do vinho barato das tavernas de Rotwald. Os guardas, no entanto, ficaram desconfortáveis com a história que Käuinn contou sobre uma vila de pastores que havia sido tragada pelo pântano, num local há 3 dias de viagem dali. Aistana não se impressionou: quando deixou Sithicus, assistiu a coisas muito mais terríveis...

Na primeira noite de viagem os guardas da caravana se deparam com uma cena incomum: todos estavam em volta do fogo quando um dos homens foi buscar água e descobriu um cadáver pendurado em uma árvore próxima à estrada. A vítima tinha as mãos decepadas e estava pendurada pelo pescoço. Além disso, havia estranhas pinturas no corpo nu do morto. O pequeno Maurer alertou seus companheiros de que aquela provavelmente era uma punição por um crime grave. Nicodemus completou que se tratava de um violador de sepulturas. O cadáver foi retirado e jogado em um riacho próximo, amarrado a uma pedra. Alguns aventureiros ficaram inquietos, considerando aquilo um sinal de má sorte.


No segundo dia de viagem Emirikon mandou que a caravana parasse em um ponto da estrada e pediu que uma pequena escolta o levasse até um local assinalado em um velho mapa. Os dois guias o levaram a uma colina onde, misteriosamente, estava erguido um desfigurado monumento de pedra em forma de cruz. O jovem observou cuidadosamente a construção e fez algumas anotações, sem proferir uma palavra. Os guias olhavam com desconfiança o misterioso nobre e seus estranhos hábitos. Käuinn chegou a confrontar o jovem com perguntas sobre a verdadeira natureza desta viagem e sobre o tal mosteiro. Emirikon foi mordaz, afirmando que eles não estavam sendo pagos para fazer perguntas ou investigar sobre seus negócios particulares. Mesmo descontente, Käuinn ficou mais algum tempo analisando o monumento e copiou uma estranha inscrição que Emirikon pareceu ignorar, localizada na parte de trás do monumento. Retomaram o caminho de volta à carruagem num silencio perturbador...


À noite, junto ao fogo, Käuinn conversou com o anão Nicodemus e perguntou-lhe se seria capaz de decifrar a inscrição. O anão observou os rabiscos da meio-elfa e chegou a seguinte frase: “Hyskosa passou por aqui”, escrita em baroviano arcaico. Sem ter certeza se aquilo tinha algum significado mais profundo, os dois esperaram por um momento propício para interrogar Emirikon, que certamente saberia do que se tratava a inscrição.

No terceiro dia de marcha, os viajantes encontram um vilarejo de lavradores que não aparecia em nenhum mapa. As boas vindas oferecidas à caravana foram as piores possíveis: um porco morto, com as patas amarradas em ramos de alho havia sido deixado na entrada da vila. No dorso do animal estava escrito “bruxo”. Um sinal claro de hostilidade àqueles que os aldeões consideravam envolvidos com bruxaria. Diante disso, Emirikon achou melhor permanecer na sua carruagem, nos limites do povoado, enquanto seus homens reabasteciam as provisões no mercado local. Durante o trato com os comerciantes, Maurer descobriu que um bando de Vistani passou pela cidade há 3 dias e anunciou que “um grande bruxo virá do leste”, inflamando a população da vila com superstições e crendices contra os futuros visitantes. Sem muita demora, a caravana retomou sua jornada em direção ao mosteiro. Naquela noite, no entanto, algo sobrenatural espreitava o caminho destes desgraçados...

Chegando às margens de uma floresta onde a estrada já encontrava-se tomada pelo mato, estranhos sons rodearam a noite. Do fundo da floresta emergiu uma névoa púrpura que se espalhava com rapidez. Os cavalos ficaram assustados e o cheiro de morte e loucura podia ser sentido na brisa outonal. Emirikon pediu ao cocheiro que parasse, mas algo empurrou os animais em direção à mata. A névoa já se espalhara pelos campos ao redor, cercando o bando de aventureiros de forma irremediável. Na colina, outro estranho viajante que seguia o grupo à distância observou todos sendo tragados pela nuvem rósea. Ragnor, o meio-vistani, soubera da viagem de Emirikon e resolveu seguir a caravana, buscando ter com o jovem mago informações sobre o paradeiro de seu clã. Mas aquilo era insanidade! De repente sua montaria também saiu de controle e galopou em direção à mata. A nuvem os havia engolido da mesma forma...   
    

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Campanha 2013: A Grande Conjunção


Novo ano, novo grupo, novas aventuras e o mesmo desespero de sempre por XP e itens mágicos, agora na  Terras das Brumas. 2013 promete... 

Em janeiro de 2013 iniciamos a fantástica Campanha da Grande Conjunção, que se passa em Ravenloft e trata de uma série de sinais revelados pelo vistani Hyskosa. A  profecia de Hyskosa foi expressa em um hexagrama (conjunto de 6 versos) e seus sinais se manifestam ao longo de 6 aventuras não-consecutivas.  Sua terrível visão prevê a libertação de um mal irreversível no Semi-Plano do Pavor e a missão dos nossos intrépidos personagens (quando eles se aperceberem disto) é impedir que tal apocalipse se concretize...

O grupo é formado pelos seguintes desgraçados:

Käuinn: Meio-Elfa, Ranger (Natália)
Aistana: Elfa, Guerreira (Júlia)
Nicodemus: Anão, Clérigo de Ezra (Rodrigo)
Maurer: Halfling, Ladrão (Nuni)
Ragnor: Meio Vistani, Guerreiro (Vico)
Emerikon: Humano, Mago (NPC) 

Todos os personagens iniciaram no nível 1, com exceção de Emerikon, que iniciou como um mago de nível 2. A aventura começou em Valachan, quando os personagens são procurados pelo conselheiro da cidade de Rotwald, Lorde Guiltanas, para acompanharem o jovem mago Emirikon até o Mosteiro da Meia Lua. Serão dez dias de viagem e muitas descobertas...

Bem-vindos a Ravenloft

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Quando a Rosa Negra Desabrochar


Um poderoso raio saiu da boca de Khellendros e despedaçou uma das colunas de sustentação da sala do trono de Lord Soth. O Cavaleiro conseguiu escapar do terrível ataque direcionado a ele escondendo-se atrás de uma mureta de pedra que se colocava logo atrás do trono. Enquanto isso, os aventureiros organizavam-se para tentar uma nova carga sobre o lorde negro. Eles sabiam que deveriam cumprir a sentença, ou seja, executar o Cavaleiro da Rosa Negra com sua própria espada, como ele havia sido condenado há tantos séculos atrás. A mitológica arma encontrava-se sob a posse de Dimitre, o cigano. Mas as propriedades malignas do artefato já estavam se manifestando. Durante o tempo em que o meio-vistani carregou a arma, ele sentiu seu punho se atrofiando e congelando profundamente, fato que obrigou-o a largar a espada no chão por um breve instante. Enquanto isso, os demais buscavam entender qual seria a próxima manobra dos dois outros combatentes do salão: Lord Soth e Khellendros.

A besta jogou seu pesado corpo para dentro da torre, fazendo desabar vários blocos de pedra e parte do telhado. No outro lado, Lord Soth iniciara a conjuração de um novo feitiço. Se funcionasse, lhe daria algum tempo para formular uma nova ofensiva contra aqueles vermes que trouxeram o furioso réptil ao seu encontro e, quem sabe ainda afugentar a criatura. Soth ergueu o punho no ar e iniciou um cântico profano, olhando diretamente aos olhos de Skie. A besta abria as asas e agitava-se, preparando uma nova baforada elétrica. Mas quando o infame cavaleiro concluiu seu feitiço, as pupilas amareladas do dragão tornara-se vazias e brancas. O animal perdera o foco de seu ataque e num urro demoníaco cuspiu um raio desgovernado contra outro pilar do castelo. Através de suas obscuras artes, Lord Soth havia cegado Khellendros novamente.

Do outro lado, os aventureiros assitiam atônitos àquele embate titânico. Mas não poderiam esperar seu desfecho de braços cruzados. Thynnus, gravemente ferido, sacou seu arco longo e posicionou-se atrás de uma bancada pedra. Dimitre pegou a espada de Soth e novamente sentiu seu punho congelando, agora de forma mais dolorida ainda. Não era mais possível para o cigano carregar aquela lâmina maldita. Lothar, que esquivava-se do confronto direto com o cavaleiro, também sacou o arco e preparava-se para desferir flechas contra o inimigo. Capsoniwon, vendo a agonia do cigano, correu para perto em seu socorro. Beren, que também se contorcia ferido pela sua própria espada amaldiçoada Lâmina das Sombras tentava conjurar os poderes sagrados da Fazedora de Votos. O elfo buscava retirar-se do centro do combate quando o Dragão Azul apareceu. Mas desde que havia empunhado aquela espada sagrada ele não conseguia recuar mais que dois passos para além da luta. Quando parou de recuar, a bendita lâmina respondeu ao seu chamado:

- Olá portador. Como posso servi-lo no propósito de destruir o mal?

- E-Eu estou ferido...preciso ter forças para derrotá-lo...

- Que assim seja!

Beren foi banhado por uma luminosidade prateada, a cor do Deus Paladine, senhor da luz e da justiça. Como pela mágica, o elfo sentiu-se mais forte e capaz. Viu-se tomado por um ímpeto de honra e coragem. Olhou os companheiros com decisão e partiu em carga sobre Lord Soth. Mas o cavaleiro negro era um oponente incomum. Uma criatura que conduzira hordas de mortos-vivos e dragões em intermináveis guerras de outras eras e mundos. Um experimentado espadachim e um guerreiro sanguinário, cuja honra se perdeu nas névoas do passado. Enquanto Soth e Beren se enfrentavam na fúria do aço, os arqueiros alvejavam o lorde negro pela retaguarda. Capsoniwon pegou a espada de Soth e imediatamente sentiu um corte gelado nas mãos. Engolindo aquela dor como uma mãe prestes a parir, a elfa investiu ferozmente na frontal do Cavaleiro da Rosa Negra. Dimitre correu pelo flanco mesmo com um dos punhos incapacitado e, numa carga alucinada desferiu um violento golpe com seu escudo, desequilibrando Soth. O cavaleiro virava-se para golpear o cigano, mas nessa hora Capsoniwon girou a espada sobre a cabeça e desferiu um pesado e certeiro golpe contra o peito do cavaleiro, transpassando sua placa de aço sobre o emblema da Rosa Negra. Um grunhido animalesco foi lançado pelo moribundo lorde negro e a rosa que carregava no peito começou a brilhar a medida que o sangue podre lhe escorria das entranhas. seu corpo foi se curvando e Beren e Capsoniwon seguram-no para que não caísse ali mesmo. A sentença fora enfim cumprida.

Na outra extremidade do salão, a fúria do dragão azul cego era extrema. O gigantesco réptil se debatia, varrendo tudo que encontrava pela frente. As velhas paredes da torre central de Nedragaard não iriam aguentar por muito tempo. Mas numa janela que mantinha-se misteriosamente intacta, o velho corvo negro guinchava: - Lorde Negro Através Lorde Negro Através...

Se os aventureiros hesitassem, acabariam sendo engolidos pelo desabamento que se anunciava. Todos se entreolhavam esperando que algo acontecesse ou que um deles tomasse alguma iniciativa. A sentença fora cumprida, afinal de contas. O que deveriam fazer agora? O que mais esse mundo doente esperava dos aventureiros de Ankara? Seria a profecia vistani apenas um delírio de Magda e seus Andarilhos???

A Rosa Negra no peito transpassado de Lord Soth ardia num tom negro avermelhado, como se estivesse desabrochando em sangue. O cavaleiro ainda emitia um som profundamente grave mas anda não tombara por completo. Estava claro que aqueles ousados aventureiros haviam derrotado o Cavaleiro da Rosa Negra. Mas também era certo de que ainda não haviam destruído-o por completo. Afinal, não se pode matar o que já está morto...

Mesmo quando parte das paredes da sala começou a ceder, o corvo negro insistia em seus guinchos e não se intimidava ao contemplar o desastre iminente naquele lugar profano. Os gritos do ave ficaram mais histéricos: - Lorde Negro Através! Lorde Negro Através! O grupo enfim reconheceu que aquele era o corvo de Magda e que esse estranho animal sempre repetia essa frase na presença deles. Foi quando Capsoniwon sussurrou a Beren e Thynnus num tom incerto:

- "Através do Lorde Negro"? Devemos passar através do Lorde Negro?!

Aquilo não parecia fazer sentido algum. Passar por onde? Como? A sala começou a ruir quando Khellendros lançou mais um raio por sua monstruosa boca. Esse atingiu o telhado em cheio. Thynnus, que ficou por um instante refletindo na sugestão da prima arqueira, olhava diretamente para o emblema na armadura de Lord Soth. De repente, sua expressão alterou-se para um olhar certeiro e ousado. O elfo então correu decidido rumo ao cavaleiro e saltou direto no seu peitoral. Magicamente Thynnus desapareceu ao tocar a Rosa Negra que ardia no peito de Soth. Ele havia atravessado o lorde negro, conforme anunciava o corvo. Essa era a saída daquele mundo desgraçado e corrupto...

O cigano Dimitre, que chamava a si mesmo de o "Caçador de Demônios", foi tomado por uma alegria infantil. Dava longas e sonoras risadas ao ver que os amigos de luta finalmente retornariam para casa. Desviando-se das pedras que caiam de todo lado, o cigano gritava:

- Vão seus tolos! Atravessem a Rosa Negra! Eu os encontro no inferno...hahahaha!!!

Lothar guardou o arco e correu desajeitadamente, tentando repetir a manobra do elfo. Capsoniwon procurou pelo irmão Beren. Viu que ele buscava a princesa Silvenne em meio ao desabamento. A garota tinha se abrigado em uma mureta e chorava desesperadamente. Antes de atravessar o portal, Lothar e Capsoniwon olharam com agradecimento ao cigano e ofereceram-lhe um último aceno. Logo depois, os dois mergulharam na passagem mágica sem mais olhar pra trás.

Silvenne havia machucado a perna e andava com dificuldade. Beren embainhou a espada e pegou a garota nos braços. Quando chegou perto do portal, olhou o cigano, que já procurava um lugar para fugir. Mas ao tentar atravessar, o elfo ouviu uma voz conhecida:

- Caro portador, o propósito de minha existência foi cumprido. Devemos nos separar agora para sempre. Eu pertenço a esse mundo e aqui devo permanecer. Faça uma boa viagem. Adeus...

Beren desembainhou a Fazedora de Votos e deixou-a sobre o corpo de Lord Soth. Apesar daquele monstro ter sido uma das criaturas mais malignas que Beren jamais punha os olhos, um dia ele fora um cavaleiro. Merecia sua última honra... Deixando a reflexão de lado, o elfo aproveitou a parada e resgatou a espada que roubara do príncipe Ragnar-Zu III, da Marbínia: a corrompida Lâmina das Sombras. Logo que empunhou a arma ouviu uma risada insana vindo de algum lugar que não quis verificar. Um último olhar foi lançado ao Dragão Azul Khellendros antes que Beren e Silvenne mergulhassem na Rosa Negra que desabrochava em Lord Soth.

Dimitre corria para o que sobrara das escadas de Nedragaard quando viu alguém saindo de trás de um monte de escombros, calmamente. Um elfo com os cabelos esbranquiçados e um olhar perdido se revelou ali. Em meio aquela destruição toda o cigano perguntou aos berros:

- Raistlin, o que você faz aqui??? Você deve voltar com eles! Vá, vá!!!

Raistlin olhou para o cigano como se nunca o tivesse visto antes. O mago repetiu com a voz trêmula e indecisa: - Raistlin...

O cigano pegou-o pelo braço e o empurrou em direção portal. O misterioso mago se deixou levar facilmente, como se estivesse entorpecido ou fraco. Ao mergulhar na Rosa Negra, Raistlin foi engolido por um clarão. Horas depois, o elfo acordou. Ouvia o som de ondas quebrando numa praia. Tinha uma enorme jóia nas mãos. Não sabia mais quem era, onde estava e nem para onde deveria ir...

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Cumprindo a Sentença...


A sala do trono da Fortaleza Nedragaard pareceu parar no tempo quando os aventureiros de Ankara e seu amigo cigano encararam pela primeira vez o lorde negro de Sithicus, ali, em pé diante deles. Um fio gelado de horror se espalhou pela alma de cada um dos companheiros em frente àquela criatura amaldiçoada, nem viva, nem morta. Enquanto ajudavam Beren a despertar de sua viagem no sexto e último Espelho da Memória, os companheiros aguardavam pelo pior...um ser sombrio e cruel como Lord Soth teria alguma piedade deles?

Aquele demorado momento antes do lorde negro sacar sua temível espada parecia anunciar o inevitável: uma morte desgraçada e cruel pelas mãos do infame Cavaleiro da Rosa Negra. Qualquer plano que tivessem traçado, qualquer estratégia de ação ou palavras ensaiadas para esse momento se perderam diante de tão horrenda visão. Estava ali, diante desses ousados viajantes, um homem que ofendera os deuses e cuspira no rosto da morte. Um ser vil que espalhara destruição e dor por onde passou. Um comandante feroz e sanguinário, um cavaleiro das sombras...

Por alguns segundos o cavaleiro observou os intrusos com um olhar enebriado. Na verdade, Soth estava acordando de um longo e pesado sono. O cavaleiro permaneceu cerca de 3 meses ou mais dentro dos Espelhos da Memória. Era difícil saber se aquilo não era mais uma das fantasias mágicas criadas pelos artefatos de Tindafalus. A realidade ainda lhe parecia tão distante...Mas o peso do aço em sua mão lhe garantia que aquilo não era mais um sonho. Aquele bando de ladrões haviam invadido Nedragaard e intrometido-se em seus delírios...ele reconhecia aqueles rostos: eram as pessoas que lhe acusaram no Tribunal da Ordem de Solamnia! Eram os bastardos que lutaram ao lado de Thannis, o meio-elfo, contra suas hordas de cavaleiros mortos e draconianos na batalha de Palanthas...Eram aqueles covardes que ousaram desafiar Lord Loren Soth de Nedragaard em cada uma de suas insana memórias!

Furioso, o cavaleiro negro ergueu a espada e apontou aos assustados aventureiros. Sua voz soou mais amarga e grave que um martelo forjando um machado:

- Quem sóis vós, que ousam invadir meu castelo e intrometer-se em meus assuntos??? Dizei já ou partirei o crânio de cada um de vocês!

O cavaleiro encontrou o silêncio naquelas faces assustadas, até que Lothar olhou rapidamente os companheiros e gaguejou:

- C-Como v-você, somos viajantes de outros mundos. Q-Queremos deixar essa terra amaldiçoada o quanto antes...

Essa não parecia uma resposta esperada pelo lorde negro. A toda hora apareciam viajantes em Sithicus com estranhos relatos de outros mundos e reinos. Ele refletiu brevemente e voltou a inquerir os invasores.

- Eu quero saber por que entraram em meu castelo e acordaram-me de meus sonhos, são cães imundos???? Quem os enviou até aqui???

Agora o cigano Dimitre tomou a palavra, tentando não olhar diretamente para aqueles olhos demoníacos que ardiam atrás do pesado elmo negro.

- O seu reino está se despedaçando enquanto dormes e sonhas com guerras do passado. Todo Sithicus está desaparecendo, e seus súditos - os elfos - não conseguem lembrar nem de seus nomes. Viemos aqui acordar-lhe para que todos nós não desapareçamos junto com esse reino moribundo.

- Eu não me importo com esse reino estéril e tampouco com a sua destruição! Não aceito que ladrões vulgares como vocês entrem em meus domínios e violem o meu castelo por um bando de elfos perturbados. Eu os sentencio a morte, ratos covardes! TODOS VOCÊS DEVEM MORRER PELA MINHA ESPADA!!!

O monstro furioso trajado de negro ergueu a longa espada sobre a cabeça e avançou em direção ao grupo como um capataz vai ao matadouro. Congelados de pavor, cada um recuou como podia para evitar o golpe da lâmina profana do lorde negro. A exceção foi a elfa Capsoniwon, que com imensa frieza permaneceu no seu lugar e baixou o capuz que cobrira seu rosto até então. A armadura azul de escamas de Dragão também foi revelada neste instante. Outro momento congelado se sucedeu na mórbida sala do trono de Soth. A imagem e semelhança de Kitiara apresentava-se diante do Cavaleiro da Rosa Negra, depois de tantos anos de procura cega...

Aquela visão atingiu em cheio o coração, a mente e o que restava do corpo queimado e apodrecido de Lord Soth. O choque foi tão inesperado que o cavaleiro deixou sua inseparável espada cair da mão. Os companheiros, recuperados de sua inércia momentânea, sacaram suas armas e passaram a ocupar suas posições para um inimaginável combate contra o lorde negro de Sithicus. Aproveitando-se do vacilo inesperado de Soth, Dimitre jogou-se em direção a espada que o cavaleiro deixara pra trás. Quando o cigano pegou-a, sentiu sua mão queimar com o frio que emanava da amaldiçoada arma. Beren, que nunca foi dado ao planejamento e estratégias nas lutas, logo sacou a espada que encontrou dentro da estátua do deus Paladine, chamada Fazedora de Votos. Na outra mão o elfo carregava a corneta de ouro. O grupo formou uma meia-lua em frente a Soth, esperando o primeiro movimento do cavaleiro. Thynnus, que havia encontrado uma enorme espada de duas mão na ferraria do castelo, respirou fundo e desferiu um golpe bem no peito de Lorde Soth, que permanecia imóvel após fitar a imagem de sua amada Dama Azul. O lorde de um passo para trás com o impacto que trincou um pedaço de sua placa peitoral. No mesmo instante, Beren soprou com força a corneta, na esperança de que Khellendros aparecesse para enfrentar o Cavaleiro da Rosa Negra a tempo.

Após um demorado instante, Lord Soth parecia perceber que aquela mulher diante de si não era realmente Kitiara, a Dama Azul. Não podia ser...KITIARA ESTAVA MORTA!!! A calejada mente do lorde negro estava confusa, o que dificultava suas decisões. Aqueles miseráveis ladrões estavam lhe atacando e, por alguns instantes, ele não havia sido capaz de revidar. Foi quando o cavaleiro percebeu que estava sem sua espada. A arma havia sido tomada por aquele miserável cigano...No entanto, algo misterioso e novo irradiava uma energia maligna naquela sala...Soth virou-se para Beren. Era de lá que a sentia. O elfo portava uma bela espada longa, toda adornada com escritos na velha língua solâmnica. Mas aquela era uma espada de Paladine, uma arma sagrada. Não podia ser! Era alguma outra coisa naquele elfo que parecia chamar por Soth, sussurrar seu nome...O cavaleiro estendeu a mão e a blasfema espada Lâmina das Sombras saltou da bainha de Beren diretamente para os punhos do lorde negro. Os dois guerreiros bateram lâminas no instante seguinte, espumando ódio e fúria no aço que carregavam.

Os guerreiros trocavam golpes ensandecidos no salão de Nedragaard. Thynnus havia sido ferido e sangrava muito em uma perna. Seus golpes tornaram-se lentos e previsíveis. Dimitre investira contra Soth, mas sentia sua mão congelar a cada segundo que empunhava a maldita espada do cavaleiro negro. Beren atingira o lorde no ombro, mas também foi ferido e sentia-se mais fraco e pesado. Capsoniwon encarava o cavaleiro corrompido, desconcertando-o, e desferia rápidos golpes com sua espada curta. Lothar conjurava magias de proteção aos seus companheiros e brandia seu machado sagrado contra aquela abominação da escuridão. Mas Lord Soth lutava contra 5 oponentes sem perder a graça ou mostrar qualquer sinal de cansaço. Aquele corpo já estava morto a 400 anos...cedo ou tarde, os aventureiros cairiam, um a um aos seus pés...

No meio da batalha, um som ensurdecedor explodiu em uma das paredes laterais do castelo. A imensa janela talhada na pedra foi subitamente rachada por uma garra gigantesca que abria passagem na rocha: era Skie, o Dragão Azul. O Lorde Negro virou-se para o trono, em meio a luta e percebeu que as runas que impediam que aquele animal se aproxima-se do castelo haviam sido apagadas. - Maldição! praguejou o cavaleiro...

O lorde olhou nos olhos da besta, estendeu a mão e balbuciou palavras em uma língua profana e esquecida. O réptil lançou um grunhido terrível e preparou-se para cuspir uma descarga elétrica sobre Soth e todos que ali estivesse. O feitiço entoado pelo cavaleiro negro falhara! Khellendros era uma besta admirável. Todos esses séculos tornaram-o mais poderoso do que Soth imaginava. E esse extraordinário monstro vivia somente com um propósito: destruir o traidor Lord Loren Soth de Nedragaard!

Os aventureiros aproveitaram sua distração para recuar e se proteger do ataque dracônico. Lord Soth também correu em direção aos pilares atrás do trono. Enquanto isso, na beirada do que restava de uma das janelas da sala do trono, um corvo negro pousou lentamente. O animal soltou um grunido conhecido pelo grupo:

- Lorde Negro Através...

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O Sexto Espelho: No Abismo


Enquanto os companheiros voltavam do transe vivido no quinto Espelho da Memória, Beren andava de um lado para o outro com uma trombeta de ouro em uma das mãos. O elfo estava inquieto, guardando o corpo entorpecido de seus companheiros durante suas aventuras nas memórias deturpadas de Lord Soth. Quando estes voltaram à consciência, Beren se aproximou e disse sem rodeios:

- Eu sei como resolver o último espelho! Fiquem aqui e se preparem para quando o cavaleiro negro acordar...confiem em mim!

Thynnus, que sempre se viu obrigado a desconfiar da impulsividade do primo mais jovem, interrogou-o:

- E quanto ao Dragão Azul? Vamos precisar da ajuda dele para derrotar Soth...

- Eu sei...

Beren foi dando as costas a Thynnus enquanto andava em direção ao último espelho. O elfo então soprou a trombeta a plenos pulmões, fazendo seu som grave ecoar na sala gelada. O sopro do instrumento era quase um lamento mágico. Todos engoliram seco, indignados com a irresponsabilidade de Beren, mas também paralisados diante do que se avizinhava: dentro de algumas momentos Kellendros, o Dragão Azul de Kitiara, estaria naquela torre em busca de vingança contra o mais temido dos servos de Takhisis. E a besta, em sua sanguinolenta busca, não diferenciaria inimigos de amigos naquela hora. Era preciso, sobretudo, vingar sua Dama Azul.

Beren entrou no espelho. Seu corpo pouco a pouco foi ficando imaterial e o ambiente tornava-se inacreditavelmente quente. O céu tinha um tom oliva e o chão ardia em cinza e vermelho. Aquilo era uma espécie de inferno, tão inóspito como nenhum outro lugar que Beren tenha posto seus pés. Parecia um sonho insano.

De repente, o elfo viu-se em meio às ruínas de um antigo templo. Flutuando junto a outros condenados cujas faces mal se distinguiam do pesado ar empoeirado e da fumaça das explosões que cobriam o horizonte, Beren percebeu que a cena estava se repetindo tal qual ele a experimentava antes. Um silêncio lúgubre pairou por alguns segundos até que passos pesados e o som do aço irromperam as escadas do local. Os espíritos se agitavam cada vez mais em murmúrios e lamentações. O elfo percebeu perto de si uma mulher com uma expressão forte, que parecia desafiar a maldição daquele lugar. E ela parecia-se tanto com sua irmã, Capsoniwon...

A larga sombra que se derramava pelo saguão daquilo que já fora um templo há tantas eras atrás logo revelou pertencer a um cavaleiro alto e cheio de vigor. Mas da mesma forma que antes, Lord Loren Soth de Dragaard agora não aparecia em sua forma idealizada e mortal. Ele era um morto-vivo vestindo uma armadura negra como a noite. Seus olhos vermelhos cintilavam em meio ao breu e seu cheiro era de fogo e morte. Carregava no peito o emblema da Rosa Negra, completamente queimado pela ira dos deuses. A medida que o infame cavaleiro andava naquele inferno, ia estendendo seu braço direito, segurando algo que parecia o guiar. Ouvia-se a sua pesada respiração. Ele tirou o elmo com calma, revelando a face horrenda e observou novamente o objeto que carregava. Parecia não acreditar que finalmente cumpriria seu propósito. Apontou-o em direção às almas danadas. Era uma extraordinária safira negra presa a um ornamentado colar de ouro puro. Sua voz carregada exclamou:

- Venha até mim, Kitiara Uth Matar! Eu reivindico sua alma...ela me pertence, em nome dos deuses! Venha...sente-se ao meu lado!

Quando essas palavras foram ditas, uma força inominável pareceu puxar lenta e insistentemente o espírito da mulher próxima a Beren em direção a jóia. O elfo, no entanto, já esperava esse movimento e lançou-se naquela direção antes mesmo do cavaleiro terminar de pronunciar seu rito. Uma corrida frenética se estabeleceu naquele inferno paradoxal: se o espírito de Kitiara fosse aprisionado na jóia, conforme fantasiara Lorde Soth centenas de vezes, o cavaleiro permaneceria adormecido em suas ilusões e Sithicus cairia condenado nas trevas da destruição. Se Beren chegasse primeiro e impedisse aquele desfecho, o Cavaleiro da Rosa Negra despertaria em seu trono e gostaria de saber quem ousava se intrometer em suas fantasias, no interior do Forte Nedragaard. Fora dos espelhos, na realidade, nenhum dos companheiros imaginava que suas vidas estavam sendo decididas naquela corrida...

Por alguns instantes, o ar fervilhante parecia que impediria o elfo de alcançar a jóia negra na mão de Soth. Mas Beren sabia o que fazer antes mesmo de enxergar a sombra apodrecida do Lorde Negro. Quando o elfo alcançou a jóia, um clarão engoliu todas aquelas almas de uma vez. O espírito de Beren e o próprio Lorde Soth e seu amuleto também se viram cobertos pela luz cegante em que o Abismo se viu mergulhado. O elfo acordou então, com seus amigos o segurando pelos braços. Ele estava de novo no salão frio de Nedragaard e uma sombra conhecida se estendia diante de todos, mais negra do que nunca...

Era Lord Soth, de espada em punho.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Quinto Espelho: traição na Torre da Alta Feitiçaria


Mais uma vez o grupo de aventureiros experimentava a solidão daquela sala gelada, diante do vulto cada vez mais materializado de Lord Soth. A noite havia se espreitado pelo horizonte e só restavam poucos faixos de luz perdidos naquele céu nebuloso e triste de Sithicus. A fortaleza Nedraagard ganhava tons ainda mais melancólicos com a chegada do frio vespertino. Os companheiros conversavam entre si. Faltavam apenas mais 2 espelhos para despertar completamente o cavaleiro caído. E era exatamente isso que preocupava Lothar e seus companheiros...

Beren olhava calmamente a corneta de ouro que carregava consigo, examinando sua beleza. Embora os elfos de Ankara não fossem apaixonados por peças feitas de metais nobres como os Anões, era inegável que a beleza do artefato possuía algo de hipnótico. Ainda mais se lembrar-mos que aquele instrumento era capaz de convocar uma besta da magnitude de Kellendros, o Dragão Azul. Os heróis resolveram entrar no quinto Espelho da Memória. Mas Beren, em mais um de seus delírios egoístas resolveu entrar no sexto espelho. Naquela hora, o vulto de Lord Soth movimentou a mão calejada, em um espasmo mudo.

As imagens foram clareando e o grupo se viu numa ampla escadaria de pedra em espiral, no interior de uma torre. Ao fim da subida, chegava-se a um salão alto, de onde escutava-se uma discussão. Todos trajavam túnicas sacerdotais, embora empunhassem também suas armas tradicionais. Os aventureiros aproximaram-se dos ruídos e puderam ver o que se sucedia: o cavaleiro de espada em punho apontando para um corpo atirado no chão era, sem dúvida, Lord Soth. O sangue do cadáver borrava as finas tapeçarias do local. Era uma mulher vestindo uma armadura azulada completamente estilhaçada. O que restou do estandarte negro e dourado acusava sua alta posição militar. Era Kitiara Uth Matar. Diante do corpo da Dama Azul, um elfo magro vestindo uma túnica verde-escura, em postura defensiva. Ao seu lado, um conhecido do grupo: Thannis meio-elfo. O guerreiro também empunhava sua arma, mas havia nele um ar de hesitação bem diferente da bravura cega que o grupo conhecera nas ruas de Palanthas. Atrás dos dois havia uma luz clara como uma manhã, em formato oval. Lothar sussurou que aquilo era, provavelmente, um portal mágico! Ouvindo a discussão, o grupo percebeu que Lord Soth estava ali para reclamar o corpo de Kitiara. Thannis e Dalamar, um aprendiz de feiticeiro, defendiam o cadáver contra a investida do cavaleiro negro. Mas era evidente que estes temiam a sua ira.

Lord Soth levantou a voz contra seus oponentes e apontou-lhes a larga espada de forma ameaçadora. Quando o blasfêmo cavaleiro preparava-se para dar um passo adiante, os heróis interviram na discussão. Surgindo da escadaria em espiral, o grupo se colocou entre Thannis meio-elfo, Dalamar e Lord Soth. O lorde negro surpreendeu-se por um breve instante, mas não interrompeu sua carga sobre o bando de intrusos que impediam-o de levar o corpo de sua amada Kitiara, a Dama Azul. Thannis meio-elfo também postou-se diante de Soth, mas não aparentava reconhecer os heróis de ocasiões anteriores. O lorde negro então falou:

- Thannis, seu covarde! Não adianta esconder-se atrás de seus amigos tolos...Entregue o que me pertence por direito! Entregue-me o corpo da Senhora dos Dragões, Kitiara Uth Matar!!! Eu não esperei tanto para ser desafiado por um bando de cães miseráveis...

A voz daquele ser decadente era grave como uma tuba. Entristecida, mas cheia de fúria e morte como o cheiro que atrai os abutres ao campo de batalha. Sua armadura chamuscada pelo fogo dos deuses estampava ainda aquela insígnia infame: a Rosa Negra. Thannis meio-elfo deu mais um passo adiante, postando-se ao lado do corpo sem vida de sua antiga companheira.

- Você que é um rato traiçoeiro, Lord Loren Soth! Você seguiu Kitiara pela floresta, até qui, esperando o momento exato para traí-la. Com que direitos você reclama o corpo dela? Sua desonra aumenta a cada dia, cavaleiro negro.

Soth lançou um olhar infernal sobre aquele meio-elfo insolente, embora soubesse que aquela era a mais pura verdade. Mas o que era a verdade dentro de suas próprias fantasias e recordações violadas?

- Traidor? Foi seu amigo Dalamar que a matou a instantes atrás, meu caro inimigo! Você e seus companheiros devem me entregar o corpo dela ou morrer pela lâmina de minha espada! Não seja ridículo, Thannis meio-elfo, com sua fidelidade tardia. Para Kitiara você não passou de uma aventura infantil...


Enquanto os guerreiros se confrontavam com palavras e intimidações, o portal que brilhava atrás dos aventureiros emanava um calor insuportável. Se alguém mirasse seu interior, perceberia uma paisagem desolada. Uma imensidão avermelhada de areia e pedras desgastada por temperaturas vulcânicas sob um céu carmesin se estendia até os confins da visão. Também era possível enxergar uma trilha de pegadas que seguia ao horizonte. Alguém havia entrado naquela paisagem infernal, traçando uma jornada aos limites do desconhecido...

Beren sentia seu corpo flutuar entre o ar quente de um templo em ruínas. Ele se sentia como um espírito atormentado e sem lar. Junto a ele estavam outras almas condenadas a esmoecer naquele cenário sem tempo. Foi quando ele escutou passos pesados e o barulho de aço. Sua visão estava um tanto embaralhada, mas foi possível compreender que das escadas amontoadas daquele lugar infernal vinha chegando alguém. O ambiente do sexto Espelho da Memória era o temível Abismo, o limbo infernal para onde os adoradores de Takhisis, o Dragão de Sete Cabeças, a Senhora da Escuridão, vão ao final de seus dias na terra. Esse era o ambiente representado nas memórias de Lord Soth.

O cavaleiro apareceu na entrada do templo, vestindo sua tradicional armadura negra. dessa vez ele apresentava sua aparência tradicional: seus olhos eram apenas dois pontos vermelhos incandecentes. Seu corpo exalava um cheiro de queimado e morte. Soth esticou a mão para o alto, segurando um medalhão ornamentado com uma enorme safira preta. Sussurando como um pássaro, ele repetiu:

- Venha até mim Kitiara. Sua alma me pertence! Sente-se ao meu lado pela eternidade e governemos juntos o mundos dos vivos e dos mortos...

Subitamente, um dos vultos imateriais que se contorcia naquele calor infernal começou a flutuar na direção da jóia. O lorde negro abriu um sorriso de satisfação profunda: - Finalmente!

Tudo aconteceu muito rápido, embora parecesse uma eternidade naquela paisagem inóspita. Beren acordou novamente no salão gelado de Nedraagard. Só lhe restava esperar pelos companheiros.

Enquanto isso, no interior do quinto espelho, a discussão tornava-se combate iminente. Lord Soth foi tomado por uma fúria desenfreada e ergueu a larga espada contra seus opositores. O grupo buscou cercar o cavaleiro, desferindo golpes por todos os lados. no entanto, cada um que era atingido pela espada de Lord Soth sentia um sopro gélido aterrorizante. Dimitre e Thynnus haviam sido golpeados. Thannis realizava uma espécie de duelo particular, em meio a saraivadas de espadas. Lothar tentava não encarar o morto-vivo diretamente, mas também acabou sendo ferido. Lord Soth era um espadachim muito experiente e quase imbatível. Todos estavam atordoados quando Soth derrubou Thannis meio-elfo e preparava-se para o golpe fatal. Foi quando ouviu-se um grito bestial vindo do outro lado da sala. Era Dalamar que segurava o cadáver de Kitiara próximo ao portal. Lord Soth se viu paralisado diante da ameaça do elfo em jogar o corpo da Dama Azul ali, naquela entrada para o Abismo. Seria o fim. Mas o lorde negro não largou a espada. Respirou profundamente e resmungou:

- Você não ousaria fazer isso, Dalamar! Você não passa de um covarde e sabe disso...

Nessa hora o elfo encheu-se de ódio e num ato desesperado, atirou o corpo de Kitiara, a Senhora dos Dragões, no portal a sua frente. O corpo pareceu virar cinzas instantaneamente e um cheiro de carne queimada prencheu o salão. Lord Soth deixou a espada escorrer pelos dedos até cair no chão. Thannis, que sangrava muito, abriu um sorriso vitorioso. A cena pouco a pouco se desfazia. Os aventureiros estavam de novo abandonados diante do trono decadente de Nedraagard. Apenas um espelho os separava do despertar do Cavaleiro da Rosa Negra

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Quarto Espelho: a Batalha de Palanthas


Recuperados de mais um mergulho na doentia mente do Cavaleiro da Rosa Negra, os companheiros entreolhavam-se, buscando reconhecer uns nos outros o que lhes restava de coragem. O silêncio frio da sala foi quebrado quando Capsoniwon avançou em direção ao quarto espelho. A elfa virou-se para os companheiros e disse sem hesitar:

- Vamos! Só faltam mais 3 espelhos...

Os aventureiros então a seguiram e começaram a encarar o terceiro Espelho da Memória. Logo todos se viram transportados para outro espaço, com outras roupas e outra aparência. Parecia que estavam em uma cidadela. Havia grande agitação nas ruas: pessoas correndo desesperadas por todos os lados, animais em disparada, camponeses fechando suas casas, milícias marchando pelas ruas e cavaleiros armados avançando na contracorrente da população em revoada. Quando o fogo surgiu nos primeiros telhados de palha da cidade é que os aventureiros perceberam que se tratava de um ataque violento ao local. E eles foram lançados em meio aquele caos...o cigano Dimitre resmungou então:

- Essa memória deve ser a Batalha de Palanthas! Lord Soth e Kitiara estão invadindo esta cidade!!! Ele deve estar fantasiando uma vitória aqui...devemos derrotá-lo!

Em meio a estrondos e sons de batalha, nos limites dos gigantescos muros da cidade surgia uma imagem dantesca: uma espécie de fortaleza flutuante se aproximava lentamente dos céus da cidadela. A medida que se aproximava foi possível definir melhor o que eram aquelas criaturas que voavam em torno da fortaleza. Para o pavor generalizado de todos, era um exército enfurecido de Dragões Azuis e Negros! Um risco de pavor atravessou os heróis por alguns segundos. Logo em seguida, enquanto passavam por uma rua em chamas, perceberam que o portão principal de palanthas havia cedido e uma horda de cavaleiros morto-vivos realizava ensandecido assalto sob o comando de um homem forte, vestindo uma pesada armadura de Solamnia. Sem dúvida, aquele era o memso homem que lhes desafiou em todos os espelhos desde então: Lord Loren Soth de Dargaard.


O infâme cavaleiro negro fitou os heróis com um ar desafiante. Lord Soth chamou 4 cavaleiros consigo, ensaiando uma investida. Um pequeno bando de draconianos, criaturas meio-humanas, meio-dragões acompanhavam o destacamento pelo ar. Foi quando os aventureiros perceberam que alguém os estava seguindo. Um meio-elfo trajando armadura, usando uma brilhante coroa de ouro e com espada em punho se colocava em posição de combate.

- Olá forasteiros! Se não querem morrer aqui mesmo é melhor sairem do caminho daquele cavaleiro. Mas se estiverem dispostos a defender Palanthas com suas vidas, saquem suas espadas. Aquele é Lord Soth e seu exército de mortos...Eu sou Thannis, o meio-elfo.


O homem interrompeu o que dizia ao cruzar olhares com Capsoniwon. Embora a elfa estivesse trajando um capuz de algodão grosso, à moda dos camponeses locais, seus olhos ainda eram idênticos aos da Dama Azul, a ambiciosa guerreira que liderava o ataque contra Palanthas. Após um segundo de hesitação, o meio-elfo tornou a concentrar-se na batalha que se aproximava. Os draconianos chegavam em rasante contra o grupo. Capsoniwon, Thynnus e Lothar sacaram seus arcos e desferiram uma saraivada de setas sobre os despresíveis répteis voadores. Beren e Dimitre sacaram suas espadas e se preparavam para o assalto da cavalaria. O meio-elfo também aguardava o melhor momento, esperendo pacientemente pela aproximação do batalhão montado no meio daquela larga via de pedras. Lord Soth parecia reconhecer o meio elfo. O cavaleiro negro cuspiu no chão ao ver seu velho inimigo mais uma vez no campo de batalha. Sua voz soou como gelo na madrugada, quando ele apontou para Thannis e reclamou:

- Entregue-me a coroa, meio-elfo. Ou hei de massacrar você e todos os seus amigos. Palanthas cairá ainda esta noite, tolo.

Thannis não moveu um músculo. Apenas lançou um olhar de quem já havia derrotado o cavaleiro negro em alguma outra ocasião do passado. Enquanto isso, os Dragões cruzavam os céus da cidade, destruindo torres, incendiando telhados e derrubando muralhas que obstaculavam sua fúria.

Chegado o momento do ataque, a coroa usada por Thannis meio-elfo começou a brilhar. Com um salto veloz, desferiu um golpe certeiro no ombro de Lord Soth. Os draconianos feridos a flechadas caiam sobre outros cavaleiros mortos, tornando a cena mais confusa e violenta. Beren acertou um dos companheiros de Soth. Dimitre transpassou com sua espada um draconiano caído que agonizava. Lothar já sacava seu machado e recitava louvores à Enlil, enquanto Thynnus e Capsoniwon ainda atiravam flechas para todas as direções. Pouco a pouco aqueles que Lord Soth julgava um bando de adversários fracos e desonrados haviam derrotados quase toda sua retaguarda. Mas mesmo sozinho, o ar de morte que aquele homem carregava fazia o mais destemido guerreiro ter pesadelos...

Lord Soth sinalizou para um dos Dragões Azuis vir em seu socorro, enquanto ensaiava mais uma manobra ofensiva. Os aventureiros se aproximavam, em formação de defesa. Lothar gritou ferozmente aos amigos:

- Temos que derrotá-lo antes do ataque do Dragão!!! É assim que isso deve terminar...

Thannis meio-elfo olhou sem entender uma palavra dita pelo sacerdote. Mesmo assim, concordava que a única maneira de evitar o ataque da besta reptiliana era aproximar-se de seu mestre, Lord Soth. O Cavaleiro da Rosa Negra esporou o cavalo e partiu em direção ao grupo, sem demonstrar o menor temor pela sua desvantagem numérica. Sacudiu a espada no ar, sobre a cabeça e acertou o meio-elfo em no ombro, devolvendo a ofensa anterior. Thannis soltou um rugido animalesco, como se tivesse os olhos furados com brasa. O guerreiro livrou-se do que restava do escudo que carregava naquele braço. O ferimento que aparecia estava congelado, queimando a pele profundamente. Mas o meio-elfo não se abateu. Enquanto se recobrava do golpe a coroa voltava a brilhar.

Nos céus, aquele Dragão Azul parecia mais ameaçador a cada segundo. A besta começou a contorcer o pescoço, preparando uma baforada mortifera que não pouparia qualquer um naquela praça forte. Quando Lord Soth se virava, preparando uma nova manobra, os companheiros avançaram alguns metros, diminuindo o caminho para o assalto do cavaleiro. Thannis aproveitou-se da manobra dos forasteiros para correr em direção a Soth, com uma velocidade incrível.

Pela retaguarda, o Dragão Azul começava um vôo rasante direcionado contra o grupo. Pelo lado frontal, Lord Soth preparava sua montaria para mais um ataque alucinado. Os aventureiros estavam em uma encruzilhada. Somente um golpe certeiro e a benção de todos os deuses os salvariam do extermínio. Mas os deuses demonstram piedade para com os mortais que não tremem em situações como estas. Lord Soth já estava quase em cima do grupo quando Capsoniwon tirou o capuz, olho-o nos olhos e lançou duas flechas em seu tórax. O lorde negro se viu paralisado naquele mesmo momento: Kitiara, a Dama Azul, que liderava aquele ataque, havia passado para o lado dos rebeldes??? Sua amada companheira havia traído Takhisis para lutar ao lado de seu antigo amante, Thannis meio-elfo??? Havia traído ele próprio e suas hordas de dragões e morto-vivos??? Tudo embaralhou-se na mente do Cavaleiro da Rosa Negra. Nesse momento, Beren se jogou no chão e enterrou a espada na carne podre da montaria de Lord Soth. O cigano Dimitre golpeou o punho do lorde negro, que acabou soltando aquela maldita espada no chão. Thannis acertou um golpe em cheio no elmo de Soth. O cavaleiro foi lançado e caiu de costas no meio da rua. Seu sangue negro ainda espalhava-se pelas vielas imundas de Palanthas quando a cena começou a evaporar-se. Logo estavam todos de volta a sala do trono de Nedragaard, pensando em quão bravo era o tal Thannis meio-elfo...