quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O Sexto Espelho: No Abismo


Enquanto os companheiros voltavam do transe vivido no quinto Espelho da Memória, Beren andava de um lado para o outro com uma trombeta de ouro em uma das mãos. O elfo estava inquieto, guardando o corpo entorpecido de seus companheiros durante suas aventuras nas memórias deturpadas de Lord Soth. Quando estes voltaram à consciência, Beren se aproximou e disse sem rodeios:

- Eu sei como resolver o último espelho! Fiquem aqui e se preparem para quando o cavaleiro negro acordar...confiem em mim!

Thynnus, que sempre se viu obrigado a desconfiar da impulsividade do primo mais jovem, interrogou-o:

- E quanto ao Dragão Azul? Vamos precisar da ajuda dele para derrotar Soth...

- Eu sei...

Beren foi dando as costas a Thynnus enquanto andava em direção ao último espelho. O elfo então soprou a trombeta a plenos pulmões, fazendo seu som grave ecoar na sala gelada. O sopro do instrumento era quase um lamento mágico. Todos engoliram seco, indignados com a irresponsabilidade de Beren, mas também paralisados diante do que se avizinhava: dentro de algumas momentos Kellendros, o Dragão Azul de Kitiara, estaria naquela torre em busca de vingança contra o mais temido dos servos de Takhisis. E a besta, em sua sanguinolenta busca, não diferenciaria inimigos de amigos naquela hora. Era preciso, sobretudo, vingar sua Dama Azul.

Beren entrou no espelho. Seu corpo pouco a pouco foi ficando imaterial e o ambiente tornava-se inacreditavelmente quente. O céu tinha um tom oliva e o chão ardia em cinza e vermelho. Aquilo era uma espécie de inferno, tão inóspito como nenhum outro lugar que Beren tenha posto seus pés. Parecia um sonho insano.

De repente, o elfo viu-se em meio às ruínas de um antigo templo. Flutuando junto a outros condenados cujas faces mal se distinguiam do pesado ar empoeirado e da fumaça das explosões que cobriam o horizonte, Beren percebeu que a cena estava se repetindo tal qual ele a experimentava antes. Um silêncio lúgubre pairou por alguns segundos até que passos pesados e o som do aço irromperam as escadas do local. Os espíritos se agitavam cada vez mais em murmúrios e lamentações. O elfo percebeu perto de si uma mulher com uma expressão forte, que parecia desafiar a maldição daquele lugar. E ela parecia-se tanto com sua irmã, Capsoniwon...

A larga sombra que se derramava pelo saguão daquilo que já fora um templo há tantas eras atrás logo revelou pertencer a um cavaleiro alto e cheio de vigor. Mas da mesma forma que antes, Lord Loren Soth de Dragaard agora não aparecia em sua forma idealizada e mortal. Ele era um morto-vivo vestindo uma armadura negra como a noite. Seus olhos vermelhos cintilavam em meio ao breu e seu cheiro era de fogo e morte. Carregava no peito o emblema da Rosa Negra, completamente queimado pela ira dos deuses. A medida que o infame cavaleiro andava naquele inferno, ia estendendo seu braço direito, segurando algo que parecia o guiar. Ouvia-se a sua pesada respiração. Ele tirou o elmo com calma, revelando a face horrenda e observou novamente o objeto que carregava. Parecia não acreditar que finalmente cumpriria seu propósito. Apontou-o em direção às almas danadas. Era uma extraordinária safira negra presa a um ornamentado colar de ouro puro. Sua voz carregada exclamou:

- Venha até mim, Kitiara Uth Matar! Eu reivindico sua alma...ela me pertence, em nome dos deuses! Venha...sente-se ao meu lado!

Quando essas palavras foram ditas, uma força inominável pareceu puxar lenta e insistentemente o espírito da mulher próxima a Beren em direção a jóia. O elfo, no entanto, já esperava esse movimento e lançou-se naquela direção antes mesmo do cavaleiro terminar de pronunciar seu rito. Uma corrida frenética se estabeleceu naquele inferno paradoxal: se o espírito de Kitiara fosse aprisionado na jóia, conforme fantasiara Lorde Soth centenas de vezes, o cavaleiro permaneceria adormecido em suas ilusões e Sithicus cairia condenado nas trevas da destruição. Se Beren chegasse primeiro e impedisse aquele desfecho, o Cavaleiro da Rosa Negra despertaria em seu trono e gostaria de saber quem ousava se intrometer em suas fantasias, no interior do Forte Nedragaard. Fora dos espelhos, na realidade, nenhum dos companheiros imaginava que suas vidas estavam sendo decididas naquela corrida...

Por alguns instantes, o ar fervilhante parecia que impediria o elfo de alcançar a jóia negra na mão de Soth. Mas Beren sabia o que fazer antes mesmo de enxergar a sombra apodrecida do Lorde Negro. Quando o elfo alcançou a jóia, um clarão engoliu todas aquelas almas de uma vez. O espírito de Beren e o próprio Lorde Soth e seu amuleto também se viram cobertos pela luz cegante em que o Abismo se viu mergulhado. O elfo acordou então, com seus amigos o segurando pelos braços. Ele estava de novo no salão frio de Nedragaard e uma sombra conhecida se estendia diante de todos, mais negra do que nunca...

Era Lord Soth, de espada em punho.

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