
A imagem do Cavaleiro da Rosa Negra sentado em seu decadente trono tornava-se mais sólida a medida que os aventureiros completavam as memórias nos espelhos mágicos. Mas aquele ser, imóvel em seu trono, emanava uma aura de maldade e terror que perturbou profundamente os heróis: Thynnus não conseguia lembrar-se do que fazia naquela sala instantes antes, ou mesmo o nome de seus companheiros! Parecia sofrer de alguma espécie de amnésia, como a que aflingia os elfos daquele reino. Já Lothar passou a olhar seus companheiros com uma desconfiança insana. Tomado pela paranóia, o sacerdote andava atrás de todos, sempre olhando sua retaguarda e resmungando palavras desordenadas. Capsoniwon também mostrava sinais de perturbação, trocando aquele olhar doce e corajoso por um ar de indiferença e impaciência. Dos aventureiros de Ankara, Beren era o único que agarrava-se com força a sua sanidade após o vislumbre do lorde negro. A convivência com a espada mágica Lâmina das Sombras parecia tê-lo preparado para situações onde o lado maligno da realidade se manifestava com toda a sua força. Ou talvez o seu comportamento tenha se tornado tão imprevisível que não seria possível dizer se aquela imagem sinistra na sala dos espelhos alterou o elfo de algum modo. O cigano Dimitre, mais acostumado aos perigos e provações sobrenaturais dessas terras medonhas, mantinha o mesmo espírito destemido de sempre...
Após saírem do segundo espelho, os aventureiros perceberam que a noite já lançava seu manto gelado sobre o céu de Sithicus. Era preciso abandonar a Fortaleza Nedragaard antes que as Banshees começassem a vagar pelo castelo e entoassem seu canto mortal sobre os heróis. O grupo então inicia uma corrida desesperada até o andar abaixo, onde o mineiro Jaspo descansava em um dos templos. Ali os macabros habitantes do castelo não ousavam passar. Além disso, era preciso alertar Raistlin sobre os perigos da noite, mas o grupo não tinha mais nenhum sinal do elfo há muitas horas. Estaria ele vivo?
Chegando no Templo de Mishakal, lá estava Jaspo, deitado sobre o altar onde anteriormente havia a estátua da deusa de Krynn. O homem foi acordado com cuidado e aparentava melhor condição que antes. Pôs-se a marchar para fora do castelo com os outros. No corredor que levava a biblioteca eles ouviram passos. O grupo parou, sacou suas armas e Lothar perguntou:
- Quem vem lá?
- Não precisam temer! Sou eu, Raistlin...
- Onde você estava todo esse tempo, elfo?
- Estudando tomos e livros preciosos na biblioteca de Soth.
Lothar lançou um olhar fulminante para o mago, não se satisfazendo com aquela resposta. O sacerdote foi tomado por um pressentimento de que aquele misteriso feiticeiro esteve tratando de seus interesses particulares, abandonado a causa comum do grupo em nome de sua insana busca por poder. Um silêncio morbido prencheu aquele corredor por alguns segundos. Capsoniwon falou então:
- Estamos deixando o castelo, pois a noite já chegou. Você vem com a gente?
- Eu preciso de mais tempo...Existem tantos livros! Acho que posso descobrir um jeito de irmos embora desse lugar!
- Você está louco?!! Vamos sair daqui ou todos morreremos!
O mago sorriu e deu as costas ao grupo caminhando em direção a biblioteca. Todos sabiam que Raistlin não gostava de ordens. Parecia que o elfo não havia dado importância aos conselhos dos companheiros. Foi então que, tomada por um instinto animalesco, a elfa lançou sua teia mágica sobre o mago. Naquele mesmo instante Lothar sacou seu machado e gritou:
- Traidor! Você está tramando contra nós!!! Você só pensa em poder e mais poder! Vocês não conseguem ver??? Ele está nos traindo!
Raistlin foi surpreendido por aquela atitude hostil de seus antigos parceiros. Mas o mago não seria capturado com facilidade. Subitamente o elfo desapareceu da teia, como se tivesse evaporado. Os companheiros olhavam ao redor quando ouviram algumas palavras sendo proferidas. Uma Bola de Fogo explodiu então no meio do corredor, pegando todos desprevenidos! Só ouviram os passos apressados do elfo feiticeiro correndo em alguma direção, enquanto tentavam apagar o fogo sobre suas roupas...
O que eles haviam feito? Eles atacaram um dos seus?!!
Todos se entreolharam por um demorado momento, como se falassem uns aos outros que aquele lugar estava deixando todos loucos. A indiferença e o individualismo de Raistlin sempre geraram algum incômodo dentro do grupo, mas antes de tudo ele era primo de Thynnus, Beren e Capsoniwon. Ele estava junto deles desde o início, passando por inúmeros perigos; ele já havia dado provas de sua lealdade para com os companheiros em várias ocasiões, a despeito de seu ar misterioso...Como eles puderam atacá-lo? A Terra das Brumas não oferecia nenhuma resposta. Era melhor continuar em frente, afinal Raistlin sabia o que estava fazendo. Ele era capaz de se cuidar sozinho.
O grupo deixou o castelo sem mais demora. Pegaram seus cavalos e foram até o barco quando a noite chegara definitivamente. Uma neblina pairava sobre o rio e ouvia-se lobos uivando ao longe. Não havia qualquer sinal de Khellendros, o dragão. Silvenne, a princesa ashtunita, estava lá imóvel e apavorada. A donzela havia sido amarrada junto a um mastro para garantir que não fugiria. Suspirou de alívio ao ver que eram os aventureiros que chegavam. Jaspo foi acomodado em um dormitório enquanto os demais amontoavam-se no convés da pequena embarcação. Os companheiros mal trocaram palavras até que todos dormiram. Todos sabiam que haviam sobrevivido ao primeiro assalto a Nedragaard e isso era o suficiente para ter algum otimismo...
Assim que o sol nasceu, o grupo preparou-se para deixar o barco e avançar rumo a Nedraagard mais uma vez. Jaspo, o pai de Dimitre, ficou na embarcação recuperando-se, enquanto a princesa Silvenne acompanhou os aventureiros rumo ao castelo de Soth. Antes de partirem, o velho mineiro desejou-lhes boa sorte e muito cuidado. O sereno da manhã ainda escorria das árvores quando os companheiros partiram pela estrada que ligava o rio ao castelo de Lord Soth. Os sinais de destruição e catástrofes que assolavam o reino desde que o grupo chegou em Sithucus pareciam menos evidentes. Restaurando as memórias de seu senhor o reino também passou a se regenerar. Talvez os elfos dessas terras já tenham recuperado parte de suas memórias. Os aventureiros esperavam estar vendo aquelas florestas mórbidas pela última vez, pois intentavam completar sua busca nos espelhos e finalmente enfrentar o Cavaleiro Sombrio. Mas essa imagem misturava esperança e temor em todos...
Chegando em Nedragaard, o aspecto de abandono permanecia intacto. Tanto que o grupo deixou suas montarias bem diante do portão central sem que nenhum sinal de vigia da fortaleza se fizesse sentir. Beren olhou uma última vez para o céu antes de entrar. O elfo pensava se o formidável Dragão Azul cumpriria a sua palavra e apareceria para confrontar Soth ao lado do grupo. Era difícil acreditar numa criatura tão temível e traiçoeira, mas a vingança contra o infame Cavaleiro da Rosa Negra parecia ser o suficiente para o imenso réptil honrar sua palavra uma única vez.

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