quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Cumprindo a Sentença...


A sala do trono da Fortaleza Nedragaard pareceu parar no tempo quando os aventureiros de Ankara e seu amigo cigano encararam pela primeira vez o lorde negro de Sithicus, ali, em pé diante deles. Um fio gelado de horror se espalhou pela alma de cada um dos companheiros em frente àquela criatura amaldiçoada, nem viva, nem morta. Enquanto ajudavam Beren a despertar de sua viagem no sexto e último Espelho da Memória, os companheiros aguardavam pelo pior...um ser sombrio e cruel como Lord Soth teria alguma piedade deles?

Aquele demorado momento antes do lorde negro sacar sua temível espada parecia anunciar o inevitável: uma morte desgraçada e cruel pelas mãos do infame Cavaleiro da Rosa Negra. Qualquer plano que tivessem traçado, qualquer estratégia de ação ou palavras ensaiadas para esse momento se perderam diante de tão horrenda visão. Estava ali, diante desses ousados viajantes, um homem que ofendera os deuses e cuspira no rosto da morte. Um ser vil que espalhara destruição e dor por onde passou. Um comandante feroz e sanguinário, um cavaleiro das sombras...

Por alguns segundos o cavaleiro observou os intrusos com um olhar enebriado. Na verdade, Soth estava acordando de um longo e pesado sono. O cavaleiro permaneceu cerca de 3 meses ou mais dentro dos Espelhos da Memória. Era difícil saber se aquilo não era mais uma das fantasias mágicas criadas pelos artefatos de Tindafalus. A realidade ainda lhe parecia tão distante...Mas o peso do aço em sua mão lhe garantia que aquilo não era mais um sonho. Aquele bando de ladrões haviam invadido Nedragaard e intrometido-se em seus delírios...ele reconhecia aqueles rostos: eram as pessoas que lhe acusaram no Tribunal da Ordem de Solamnia! Eram os bastardos que lutaram ao lado de Thannis, o meio-elfo, contra suas hordas de cavaleiros mortos e draconianos na batalha de Palanthas...Eram aqueles covardes que ousaram desafiar Lord Loren Soth de Nedragaard em cada uma de suas insana memórias!

Furioso, o cavaleiro negro ergueu a espada e apontou aos assustados aventureiros. Sua voz soou mais amarga e grave que um martelo forjando um machado:

- Quem sóis vós, que ousam invadir meu castelo e intrometer-se em meus assuntos??? Dizei já ou partirei o crânio de cada um de vocês!

O cavaleiro encontrou o silêncio naquelas faces assustadas, até que Lothar olhou rapidamente os companheiros e gaguejou:

- C-Como v-você, somos viajantes de outros mundos. Q-Queremos deixar essa terra amaldiçoada o quanto antes...

Essa não parecia uma resposta esperada pelo lorde negro. A toda hora apareciam viajantes em Sithicus com estranhos relatos de outros mundos e reinos. Ele refletiu brevemente e voltou a inquerir os invasores.

- Eu quero saber por que entraram em meu castelo e acordaram-me de meus sonhos, são cães imundos???? Quem os enviou até aqui???

Agora o cigano Dimitre tomou a palavra, tentando não olhar diretamente para aqueles olhos demoníacos que ardiam atrás do pesado elmo negro.

- O seu reino está se despedaçando enquanto dormes e sonhas com guerras do passado. Todo Sithicus está desaparecendo, e seus súditos - os elfos - não conseguem lembrar nem de seus nomes. Viemos aqui acordar-lhe para que todos nós não desapareçamos junto com esse reino moribundo.

- Eu não me importo com esse reino estéril e tampouco com a sua destruição! Não aceito que ladrões vulgares como vocês entrem em meus domínios e violem o meu castelo por um bando de elfos perturbados. Eu os sentencio a morte, ratos covardes! TODOS VOCÊS DEVEM MORRER PELA MINHA ESPADA!!!

O monstro furioso trajado de negro ergueu a longa espada sobre a cabeça e avançou em direção ao grupo como um capataz vai ao matadouro. Congelados de pavor, cada um recuou como podia para evitar o golpe da lâmina profana do lorde negro. A exceção foi a elfa Capsoniwon, que com imensa frieza permaneceu no seu lugar e baixou o capuz que cobrira seu rosto até então. A armadura azul de escamas de Dragão também foi revelada neste instante. Outro momento congelado se sucedeu na mórbida sala do trono de Soth. A imagem e semelhança de Kitiara apresentava-se diante do Cavaleiro da Rosa Negra, depois de tantos anos de procura cega...

Aquela visão atingiu em cheio o coração, a mente e o que restava do corpo queimado e apodrecido de Lord Soth. O choque foi tão inesperado que o cavaleiro deixou sua inseparável espada cair da mão. Os companheiros, recuperados de sua inércia momentânea, sacaram suas armas e passaram a ocupar suas posições para um inimaginável combate contra o lorde negro de Sithicus. Aproveitando-se do vacilo inesperado de Soth, Dimitre jogou-se em direção a espada que o cavaleiro deixara pra trás. Quando o cigano pegou-a, sentiu sua mão queimar com o frio que emanava da amaldiçoada arma. Beren, que nunca foi dado ao planejamento e estratégias nas lutas, logo sacou a espada que encontrou dentro da estátua do deus Paladine, chamada Fazedora de Votos. Na outra mão o elfo carregava a corneta de ouro. O grupo formou uma meia-lua em frente a Soth, esperando o primeiro movimento do cavaleiro. Thynnus, que havia encontrado uma enorme espada de duas mão na ferraria do castelo, respirou fundo e desferiu um golpe bem no peito de Lorde Soth, que permanecia imóvel após fitar a imagem de sua amada Dama Azul. O lorde de um passo para trás com o impacto que trincou um pedaço de sua placa peitoral. No mesmo instante, Beren soprou com força a corneta, na esperança de que Khellendros aparecesse para enfrentar o Cavaleiro da Rosa Negra a tempo.

Após um demorado instante, Lord Soth parecia perceber que aquela mulher diante de si não era realmente Kitiara, a Dama Azul. Não podia ser...KITIARA ESTAVA MORTA!!! A calejada mente do lorde negro estava confusa, o que dificultava suas decisões. Aqueles miseráveis ladrões estavam lhe atacando e, por alguns instantes, ele não havia sido capaz de revidar. Foi quando o cavaleiro percebeu que estava sem sua espada. A arma havia sido tomada por aquele miserável cigano...No entanto, algo misterioso e novo irradiava uma energia maligna naquela sala...Soth virou-se para Beren. Era de lá que a sentia. O elfo portava uma bela espada longa, toda adornada com escritos na velha língua solâmnica. Mas aquela era uma espada de Paladine, uma arma sagrada. Não podia ser! Era alguma outra coisa naquele elfo que parecia chamar por Soth, sussurrar seu nome...O cavaleiro estendeu a mão e a blasfema espada Lâmina das Sombras saltou da bainha de Beren diretamente para os punhos do lorde negro. Os dois guerreiros bateram lâminas no instante seguinte, espumando ódio e fúria no aço que carregavam.

Os guerreiros trocavam golpes ensandecidos no salão de Nedragaard. Thynnus havia sido ferido e sangrava muito em uma perna. Seus golpes tornaram-se lentos e previsíveis. Dimitre investira contra Soth, mas sentia sua mão congelar a cada segundo que empunhava a maldita espada do cavaleiro negro. Beren atingira o lorde no ombro, mas também foi ferido e sentia-se mais fraco e pesado. Capsoniwon encarava o cavaleiro corrompido, desconcertando-o, e desferia rápidos golpes com sua espada curta. Lothar conjurava magias de proteção aos seus companheiros e brandia seu machado sagrado contra aquela abominação da escuridão. Mas Lord Soth lutava contra 5 oponentes sem perder a graça ou mostrar qualquer sinal de cansaço. Aquele corpo já estava morto a 400 anos...cedo ou tarde, os aventureiros cairiam, um a um aos seus pés...

No meio da batalha, um som ensurdecedor explodiu em uma das paredes laterais do castelo. A imensa janela talhada na pedra foi subitamente rachada por uma garra gigantesca que abria passagem na rocha: era Skie, o Dragão Azul. O Lorde Negro virou-se para o trono, em meio a luta e percebeu que as runas que impediam que aquele animal se aproxima-se do castelo haviam sido apagadas. - Maldição! praguejou o cavaleiro...

O lorde olhou nos olhos da besta, estendeu a mão e balbuciou palavras em uma língua profana e esquecida. O réptil lançou um grunhido terrível e preparou-se para cuspir uma descarga elétrica sobre Soth e todos que ali estivesse. O feitiço entoado pelo cavaleiro negro falhara! Khellendros era uma besta admirável. Todos esses séculos tornaram-o mais poderoso do que Soth imaginava. E esse extraordinário monstro vivia somente com um propósito: destruir o traidor Lord Loren Soth de Nedragaard!

Os aventureiros aproveitaram sua distração para recuar e se proteger do ataque dracônico. Lord Soth também correu em direção aos pilares atrás do trono. Enquanto isso, na beirada do que restava de uma das janelas da sala do trono, um corvo negro pousou lentamente. O animal soltou um grunido conhecido pelo grupo:

- Lorde Negro Através...

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O Sexto Espelho: No Abismo


Enquanto os companheiros voltavam do transe vivido no quinto Espelho da Memória, Beren andava de um lado para o outro com uma trombeta de ouro em uma das mãos. O elfo estava inquieto, guardando o corpo entorpecido de seus companheiros durante suas aventuras nas memórias deturpadas de Lord Soth. Quando estes voltaram à consciência, Beren se aproximou e disse sem rodeios:

- Eu sei como resolver o último espelho! Fiquem aqui e se preparem para quando o cavaleiro negro acordar...confiem em mim!

Thynnus, que sempre se viu obrigado a desconfiar da impulsividade do primo mais jovem, interrogou-o:

- E quanto ao Dragão Azul? Vamos precisar da ajuda dele para derrotar Soth...

- Eu sei...

Beren foi dando as costas a Thynnus enquanto andava em direção ao último espelho. O elfo então soprou a trombeta a plenos pulmões, fazendo seu som grave ecoar na sala gelada. O sopro do instrumento era quase um lamento mágico. Todos engoliram seco, indignados com a irresponsabilidade de Beren, mas também paralisados diante do que se avizinhava: dentro de algumas momentos Kellendros, o Dragão Azul de Kitiara, estaria naquela torre em busca de vingança contra o mais temido dos servos de Takhisis. E a besta, em sua sanguinolenta busca, não diferenciaria inimigos de amigos naquela hora. Era preciso, sobretudo, vingar sua Dama Azul.

Beren entrou no espelho. Seu corpo pouco a pouco foi ficando imaterial e o ambiente tornava-se inacreditavelmente quente. O céu tinha um tom oliva e o chão ardia em cinza e vermelho. Aquilo era uma espécie de inferno, tão inóspito como nenhum outro lugar que Beren tenha posto seus pés. Parecia um sonho insano.

De repente, o elfo viu-se em meio às ruínas de um antigo templo. Flutuando junto a outros condenados cujas faces mal se distinguiam do pesado ar empoeirado e da fumaça das explosões que cobriam o horizonte, Beren percebeu que a cena estava se repetindo tal qual ele a experimentava antes. Um silêncio lúgubre pairou por alguns segundos até que passos pesados e o som do aço irromperam as escadas do local. Os espíritos se agitavam cada vez mais em murmúrios e lamentações. O elfo percebeu perto de si uma mulher com uma expressão forte, que parecia desafiar a maldição daquele lugar. E ela parecia-se tanto com sua irmã, Capsoniwon...

A larga sombra que se derramava pelo saguão daquilo que já fora um templo há tantas eras atrás logo revelou pertencer a um cavaleiro alto e cheio de vigor. Mas da mesma forma que antes, Lord Loren Soth de Dragaard agora não aparecia em sua forma idealizada e mortal. Ele era um morto-vivo vestindo uma armadura negra como a noite. Seus olhos vermelhos cintilavam em meio ao breu e seu cheiro era de fogo e morte. Carregava no peito o emblema da Rosa Negra, completamente queimado pela ira dos deuses. A medida que o infame cavaleiro andava naquele inferno, ia estendendo seu braço direito, segurando algo que parecia o guiar. Ouvia-se a sua pesada respiração. Ele tirou o elmo com calma, revelando a face horrenda e observou novamente o objeto que carregava. Parecia não acreditar que finalmente cumpriria seu propósito. Apontou-o em direção às almas danadas. Era uma extraordinária safira negra presa a um ornamentado colar de ouro puro. Sua voz carregada exclamou:

- Venha até mim, Kitiara Uth Matar! Eu reivindico sua alma...ela me pertence, em nome dos deuses! Venha...sente-se ao meu lado!

Quando essas palavras foram ditas, uma força inominável pareceu puxar lenta e insistentemente o espírito da mulher próxima a Beren em direção a jóia. O elfo, no entanto, já esperava esse movimento e lançou-se naquela direção antes mesmo do cavaleiro terminar de pronunciar seu rito. Uma corrida frenética se estabeleceu naquele inferno paradoxal: se o espírito de Kitiara fosse aprisionado na jóia, conforme fantasiara Lorde Soth centenas de vezes, o cavaleiro permaneceria adormecido em suas ilusões e Sithicus cairia condenado nas trevas da destruição. Se Beren chegasse primeiro e impedisse aquele desfecho, o Cavaleiro da Rosa Negra despertaria em seu trono e gostaria de saber quem ousava se intrometer em suas fantasias, no interior do Forte Nedragaard. Fora dos espelhos, na realidade, nenhum dos companheiros imaginava que suas vidas estavam sendo decididas naquela corrida...

Por alguns instantes, o ar fervilhante parecia que impediria o elfo de alcançar a jóia negra na mão de Soth. Mas Beren sabia o que fazer antes mesmo de enxergar a sombra apodrecida do Lorde Negro. Quando o elfo alcançou a jóia, um clarão engoliu todas aquelas almas de uma vez. O espírito de Beren e o próprio Lorde Soth e seu amuleto também se viram cobertos pela luz cegante em que o Abismo se viu mergulhado. O elfo acordou então, com seus amigos o segurando pelos braços. Ele estava de novo no salão frio de Nedragaard e uma sombra conhecida se estendia diante de todos, mais negra do que nunca...

Era Lord Soth, de espada em punho.