quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Terceiro Espelho: o rei-sacerdote de Istar


Ao adentrarem a fortaleza de Lord Soth pela manhã, mais uma vez aquele sopro gélido arrebatou os companheiros. Que mistérios esse soturno lugar ainda reservaria ao grupo nessa segunda investida? Será que o Lorde Negro já recobrara sua consciência depois que o grupo reordenou parte de suas memórias? Sem pensarem muito, os companheiros atravessaram a velha ponte de madeira alcançando o pátio do prédio. Sem dificuldade eles entraram na fortaleza, mas ao cruzarem o portão principal perceberam algo surpreendente: os comôdos e salas de Nedraagard haviam mudado de lugar durante a noite! Esse era mais um dos truques dos Poderes Sombrios para atormentar a já calejada alma de Lord Soth, conforme havia anunciado Magda, a cigana. A rígida disciplina militar de Soth era constantemente confrontada com mudanças repentinas em seu próprio castelo. Ao perceber isso, o grupo resolveu correr em direção ao topo da fortaleza, imaginando que o único lugar que permanecia incólume a esses caprichos era a maldita sala do trono.

Os aventureiros atingiram o segundo piso e viram que agora se tratava do andar proibido. Passaram rapidamente pela capela de Mishakal e fizeram uma breve reverência. O altar permanecia vazio, como da última vez em que o grupo ali estivera. No entanto, todos sentiram-se menos perturbados ao respirarem a atmosfera de paz daquela sala. Capsoniwon recuperou seu antigo ânimo; Lothar perdeu aquele olhar insano de desconfiança e Thynnus parecia despertar de um longo e entorpecido sono. Seria mais uma das dádivas da Mão Miraculosa de Mishakal? Ninguém poderá esclarecer... Sem demora, todos correram até a escada e subiram ininterruptamente até o quarto andar, onde antigamente ficava a sala do trono. Nenhum sinal dos cavaleiros de Soth se percebeu no caminho; tampouco as Banshees que vagavam pelo castelo a procura de visitantes desavisados...

O grupo avistou então a porta que dava acesso a sala dos espelhos. Um último suspiro de coragem e esperança foi deixado ali. Beren olhou os companheiros e depois abriu a porta. Lá estava ele: Lord Soth, sentado da mesma forma da noite anterior, congelado num olhar de alucinação. Seu corpo ainda era imaterial. Sem hesitar, o grupo dirigiu-se aos Espelhos da Memória. Começaram a fitar o terceiro espelho e logo se virão transportados para um enorme pátio de um palácio, em meio a uma multidão de pessoas. Essas pessoas estavam diante de um homem vestindo trajes religiosos. Provavelmente ele é um sumo-sacerdote ou alto dignatário de algum culto desconhecido pelo grupo. O homem se voltou à multidão e iniciou um discurso inflamado contra deuses antigos, no que foi ovacionado por aquelas pessoas. A exitação do povo só aumentava. De repente, de um dos corredores que dava acesso até o altar onde esse sacerdote dirigia-se a multidão, apareceu um cavaleiro com espada em punho. Na sua armadura o emblema da rosa negra. O sacerdote o olha com surpresa e pavor, enquanto a multidão grita e se debate em confusão. O homem avança em direção ao sacerdote e parece que vai atacá-lo...A cena é confusa: um cavaleiro atentando contra uma homem da fé?! O que isso significava?

A espada atravessa as entranhas do homem santo e uma poça de sangue se derrama sobre o altar. O ritual que o sacerdote parecia presidir é interrompido, enquanto a multidão começa a debater-se mais e mais. Alguns gritam de horror e insultam o cavaleiro, outros o aplaudem e o saúdam como um salvador. Rosas são jogadas em sua direção. O nobre anda até a borda do altar e retira seu pesado elmo, para receber as odes do povo. Ao revelar sua face, o grupo percebeu que este cavaleiro é ninguém menos que o próprio Lord Loren Soth, em sua forma humana e mortal. É o mesmo homem que lutou ao lado dos heróis no acampamento dos Ogros! É o mesmo homem presente no tribunal da cavalaria! Sem dúvida, é o Cavaleiro da Rosa Negra


O grupo ficou confuso! O que esta cena significava? Por que Lord Soth executou a sangue frio aquele sacerdote? Que ameaça aquele sujeito representava? Foi então que o meio-vistani Dimitre recitou em voz baixa uma das estrofes do Conto do Cavaleiro das Sombras:


"O Deus ofereceu a redenção a Soth
Seus pecados seriam perdoados
Se ele realizasse um ato heróico
Salvando muitas vidas ao evitar um Cataclisma

Ele deveria ir até a cidade de Istar e desafiar o rei-sacerdote
Que ofendera os deuses e selara o destino da cidade a destruição..."

O blasfemo guerreiro tentava nesse espelho cumprir a sagrada missão que o deus Paladine havia lhe dado, como forma de redimir-se de sua desonra passada. Logo que os aventureiros perceberam o acontecido, se viram lançados para fora daquela cena, de volta a sala do trono de Nedragaard. Um pouco confusos por esse trânsito entre a realidade e o sonho, os heróis se recobraram e lançaram-se novamente àquela memória.

A cena iniciava-se dentro de uma luxuosa carruagem. Os aventureiros achavam-se vestidos de forma distinta, como se fossem membros de uma comitiva nobre. Dentro da carruagem estavam 6 damas élficas, que cochixavam e riam daqueles estranhos. Um das portas do vagão estava aberta, deixando perceber que alguém acabara de sair por ali. Da janela do carro percebia-se um cavaleiro avançando decididamente em direção a um templo de mármore. Foi quando o cigano Dimitre gritou a plenos pulmões:

- Lord Loren Soth de Dargaard!!!
Você está sendo vítima do engano...
Temos notícias urgentes de Lady Isolde

O nobre guerreiro parou por um instante e olhou para trás, pela viseira do pesado elmo. Os aventureiros acenaram para que ele voltasse até ali, por um instante. O guerreiro demostrou impaciência, mas acabou embainhando a espada e dando meia volta. Mencionar o nome de sua amada esposa, sem uma boa razão, significaria a execução exemplar daqueles tolos insolentes, segundo o Código de Solamnia. O homem chegou com o semblante furioso. Foi então que Lothar levantou-se e falou:

- Esta dama tem algo a lhe confessar. Algo de extrema gravidade, que coloca em xeque sua missão e sua própria presença neste lugar.

Lothar apontou aleatóriamente para uma das damas élficas, rezando para Enlil que a cena se completasse conforme o Conto do Cavaleiro das Sombras. Ela, sem nenhuma surpresa, começou a falar em élfico. Contou uma série de blasfêmias sobre sua antiga senhora e esposa do insígne cavaleiro, Lady Isolde. No relato da dama élfica falava-se de adultério, traição, sodomia e toda a sorte de mentiras protagoinizadas pela perversa senhora. Ela aproveitara-se da posição e prestígio de Lord Soth para ter uma vida confortável e faustosa. Tudo isso para depois traí-lo às escuras, em seu próprio castelo. Até mesmo o filho que ela trazia no ventre era de outro homem!!!

- Vossa excelência deve voltar a Dargaard já! - Dizia um insistente Lothar ao homem atordoado por estas vis revelações.

O cavaleiro enfureceu-se de uma forma indescritível. Arrancou o elmo e lançou a espada às alturas. Levou as mãos ao rosto e pôs-se a chorar e blasfemar contra os deuses, que lhe ofereceram tão desgraçado destino e que em algum lugar do cosmo riam de sua ingenuidade. O pobre cavaleiro ficou ali, desolado e atirado ao chão por incontáveis minutos, até que um forte estrondo irrompeu a cena, vindo do alto. Ouvia-se ao longe os gritos da multidão no templo. O céu começou a escurecer e riscos de fogo começavam a descer do céu, como uma chuva de enxofre e sangue. O cataclisma começara. Subitamente, o grupo viu-se expulso do terceiro Espelho da Memória. Todos acordaram na fria sala do trono de Nedragaard, mais uma vez. A imagem de Soth, impávido naquele despedaçado trono, parecia vigiá-los silenciosamente. A qualquer momento poderia ele levantar-se e sacar a espada em desafio àqueles que ousaram perturbar seus delirantes sonhos de glória e redenção??? Seria ele misericordioso com esses estrangeiros??? O que afinal passava dentro daquela mente doentia e calejada por séculos de maldições, ninguém jamais saberá...

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Deixando a Fortaleza Nedragaard


A imagem do Cavaleiro da Rosa Negra sentado em seu decadente trono tornava-se mais sólida a medida que os aventureiros completavam as memórias nos espelhos mágicos. Mas aquele ser, imóvel em seu trono, emanava uma aura de maldade e terror que perturbou profundamente os heróis: Thynnus não conseguia lembrar-se do que fazia naquela sala instantes antes, ou mesmo o nome de seus companheiros! Parecia sofrer de alguma espécie de amnésia, como a que aflingia os elfos daquele reino. Já Lothar passou a olhar seus companheiros com uma desconfiança insana. Tomado pela paranóia, o sacerdote andava atrás de todos, sempre olhando sua retaguarda e resmungando palavras desordenadas. Capsoniwon também mostrava sinais de perturbação, trocando aquele olhar doce e corajoso por um ar de indiferença e impaciência. Dos aventureiros de Ankara, Beren era o único que agarrava-se com força a sua sanidade após o vislumbre do lorde negro. A convivência com a espada mágica Lâmina das Sombras parecia tê-lo preparado para situações onde o lado maligno da realidade se manifestava com toda a sua força. Ou talvez o seu comportamento tenha se tornado tão imprevisível que não seria possível dizer se aquela imagem sinistra na sala dos espelhos alterou o elfo de algum modo. O cigano Dimitre, mais acostumado aos perigos e provações sobrenaturais dessas terras medonhas, mantinha o mesmo espírito destemido de sempre...

Após saírem do segundo espelho, os aventureiros perceberam que a noite já lançava seu manto gelado sobre o céu de Sithicus. Era preciso abandonar a Fortaleza Nedragaard antes que as Banshees começassem a vagar pelo castelo e entoassem seu canto mortal sobre os heróis. O grupo então inicia uma corrida desesperada até o andar abaixo, onde o mineiro Jaspo descansava em um dos templos. Ali os macabros habitantes do castelo não ousavam passar. Além disso, era preciso alertar Raistlin sobre os perigos da noite, mas o grupo não tinha mais nenhum sinal do elfo há muitas horas. Estaria ele vivo?

Chegando no Templo de Mishakal, lá estava Jaspo, deitado sobre o altar onde anteriormente havia a estátua da deusa de Krynn. O homem foi acordado com cuidado e aparentava melhor condição que antes. Pôs-se a marchar para fora do castelo com os outros. No corredor que levava a biblioteca eles ouviram passos. O grupo parou, sacou suas armas e Lothar perguntou:

- Quem vem lá?
- Não precisam temer! Sou eu, Raistlin...
- Onde você estava todo esse tempo, elfo?
- Estudando tomos e livros preciosos na biblioteca de Soth.

Lothar lançou um olhar fulminante para o mago, não se satisfazendo com aquela resposta. O sacerdote foi tomado por um pressentimento de que aquele misteriso feiticeiro esteve tratando de seus interesses particulares, abandonado a causa comum do grupo em nome de sua insana busca por poder. Um silêncio morbido prencheu aquele corredor por alguns segundos. Capsoniwon falou então:

- Estamos deixando o castelo, pois a noite já chegou. Você vem com a gente?
- Eu preciso de mais tempo...Existem tantos livros! Acho que posso descobrir um jeito de irmos embora desse lugar!
- Você está louco?!! Vamos sair daqui ou todos morreremos!

O mago sorriu e deu as costas ao grupo caminhando em direção a biblioteca. Todos sabiam que Raistlin não gostava de ordens. Parecia que o elfo não havia dado importância aos conselhos dos companheiros. Foi então que, tomada por um instinto animalesco, a elfa lançou sua teia mágica sobre o mago. Naquele mesmo instante Lothar sacou seu machado e gritou:

- Traidor! Você está tramando contra nós!!! Você só pensa em poder e mais poder! Vocês não conseguem ver??? Ele está nos traindo!

Raistlin foi surpreendido por aquela atitude hostil de seus antigos parceiros. Mas o mago não seria capturado com facilidade. Subitamente o elfo desapareceu da teia, como se tivesse evaporado. Os companheiros olhavam ao redor quando ouviram algumas palavras sendo proferidas. Uma Bola de Fogo explodiu então no meio do corredor, pegando todos desprevenidos! Só ouviram os passos apressados do elfo feiticeiro correndo em alguma direção, enquanto tentavam apagar o fogo sobre suas roupas...

O que eles haviam feito? Eles atacaram um dos seus?!!

Todos se entreolharam por um demorado momento, como se falassem uns aos outros que aquele lugar estava deixando todos loucos. A indiferença e o individualismo de Raistlin sempre geraram algum incômodo dentro do grupo, mas antes de tudo ele era primo de Thynnus, Beren e Capsoniwon. Ele estava junto deles desde o início, passando por inúmeros perigos; ele já havia dado provas de sua lealdade para com os companheiros em várias ocasiões, a despeito de seu ar misterioso...Como eles puderam atacá-lo? A Terra das Brumas não oferecia nenhuma resposta. Era melhor continuar em frente, afinal Raistlin sabia o que estava fazendo. Ele era capaz de se cuidar sozinho.

O grupo deixou o castelo sem mais demora. Pegaram seus cavalos e foram até o barco quando a noite chegara definitivamente. Uma neblina pairava sobre o rio e ouvia-se lobos uivando ao longe. Não havia qualquer sinal de Khellendros, o dragão. Silvenne, a princesa ashtunita, estava lá imóvel e apavorada. A donzela havia sido amarrada junto a um mastro para garantir que não fugiria. Suspirou de alívio ao ver que eram os aventureiros que chegavam. Jaspo foi acomodado em um dormitório enquanto os demais amontoavam-se no convés da pequena embarcação. Os companheiros mal trocaram palavras até que todos dormiram. Todos sabiam que haviam sobrevivido ao primeiro assalto a Nedragaard e isso era o suficiente para ter algum otimismo...

Assim que o sol nasceu, o grupo preparou-se para deixar o barco e avançar rumo a Nedraagard mais uma vez. Jaspo, o pai de Dimitre, ficou na embarcação recuperando-se, enquanto a princesa Silvenne acompanhou os aventureiros rumo ao castelo de Soth. Antes de partirem, o velho mineiro desejou-lhes boa sorte e muito cuidado. O sereno da manhã ainda escorria das árvores quando os companheiros partiram pela estrada que ligava o rio ao castelo de Lord Soth. Os sinais de destruição e catástrofes que assolavam o reino desde que o grupo chegou em Sithucus pareciam menos evidentes. Restaurando as memórias de seu senhor o reino também passou a se regenerar. Talvez os elfos dessas terras já tenham recuperado parte de suas memórias. Os aventureiros esperavam estar vendo aquelas florestas mórbidas pela última vez, pois intentavam completar sua busca nos espelhos e finalmente enfrentar o Cavaleiro Sombrio. Mas essa imagem misturava esperança e temor em todos...

Chegando em Nedragaard, o aspecto de abandono permanecia intacto. Tanto que o grupo deixou suas montarias bem diante do portão central sem que nenhum sinal de vigia da fortaleza se fizesse sentir. Beren olhou uma última vez para o céu antes de entrar. O elfo pensava se o formidável Dragão Azul cumpriria a sua palavra e apareceria para confrontar Soth ao lado do grupo. Era difícil acreditar numa criatura tão temível e traiçoeira, mas a vingança contra o infame Cavaleiro da Rosa Negra parecia ser o suficiente para o imenso réptil honrar sua palavra uma única vez.