segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Quando a Rosa Negra Desabrochar


Um poderoso raio saiu da boca de Khellendros e despedaçou uma das colunas de sustentação da sala do trono de Lord Soth. O Cavaleiro conseguiu escapar do terrível ataque direcionado a ele escondendo-se atrás de uma mureta de pedra que se colocava logo atrás do trono. Enquanto isso, os aventureiros organizavam-se para tentar uma nova carga sobre o lorde negro. Eles sabiam que deveriam cumprir a sentença, ou seja, executar o Cavaleiro da Rosa Negra com sua própria espada, como ele havia sido condenado há tantos séculos atrás. A mitológica arma encontrava-se sob a posse de Dimitre, o cigano. Mas as propriedades malignas do artefato já estavam se manifestando. Durante o tempo em que o meio-vistani carregou a arma, ele sentiu seu punho se atrofiando e congelando profundamente, fato que obrigou-o a largar a espada no chão por um breve instante. Enquanto isso, os demais buscavam entender qual seria a próxima manobra dos dois outros combatentes do salão: Lord Soth e Khellendros.

A besta jogou seu pesado corpo para dentro da torre, fazendo desabar vários blocos de pedra e parte do telhado. No outro lado, Lord Soth iniciara a conjuração de um novo feitiço. Se funcionasse, lhe daria algum tempo para formular uma nova ofensiva contra aqueles vermes que trouxeram o furioso réptil ao seu encontro e, quem sabe ainda afugentar a criatura. Soth ergueu o punho no ar e iniciou um cântico profano, olhando diretamente aos olhos de Skie. A besta abria as asas e agitava-se, preparando uma nova baforada elétrica. Mas quando o infame cavaleiro concluiu seu feitiço, as pupilas amareladas do dragão tornara-se vazias e brancas. O animal perdera o foco de seu ataque e num urro demoníaco cuspiu um raio desgovernado contra outro pilar do castelo. Através de suas obscuras artes, Lord Soth havia cegado Khellendros novamente.

Do outro lado, os aventureiros assitiam atônitos àquele embate titânico. Mas não poderiam esperar seu desfecho de braços cruzados. Thynnus, gravemente ferido, sacou seu arco longo e posicionou-se atrás de uma bancada pedra. Dimitre pegou a espada de Soth e novamente sentiu seu punho congelando, agora de forma mais dolorida ainda. Não era mais possível para o cigano carregar aquela lâmina maldita. Lothar, que esquivava-se do confronto direto com o cavaleiro, também sacou o arco e preparava-se para desferir flechas contra o inimigo. Capsoniwon, vendo a agonia do cigano, correu para perto em seu socorro. Beren, que também se contorcia ferido pela sua própria espada amaldiçoada Lâmina das Sombras tentava conjurar os poderes sagrados da Fazedora de Votos. O elfo buscava retirar-se do centro do combate quando o Dragão Azul apareceu. Mas desde que havia empunhado aquela espada sagrada ele não conseguia recuar mais que dois passos para além da luta. Quando parou de recuar, a bendita lâmina respondeu ao seu chamado:

- Olá portador. Como posso servi-lo no propósito de destruir o mal?

- E-Eu estou ferido...preciso ter forças para derrotá-lo...

- Que assim seja!

Beren foi banhado por uma luminosidade prateada, a cor do Deus Paladine, senhor da luz e da justiça. Como pela mágica, o elfo sentiu-se mais forte e capaz. Viu-se tomado por um ímpeto de honra e coragem. Olhou os companheiros com decisão e partiu em carga sobre Lord Soth. Mas o cavaleiro negro era um oponente incomum. Uma criatura que conduzira hordas de mortos-vivos e dragões em intermináveis guerras de outras eras e mundos. Um experimentado espadachim e um guerreiro sanguinário, cuja honra se perdeu nas névoas do passado. Enquanto Soth e Beren se enfrentavam na fúria do aço, os arqueiros alvejavam o lorde negro pela retaguarda. Capsoniwon pegou a espada de Soth e imediatamente sentiu um corte gelado nas mãos. Engolindo aquela dor como uma mãe prestes a parir, a elfa investiu ferozmente na frontal do Cavaleiro da Rosa Negra. Dimitre correu pelo flanco mesmo com um dos punhos incapacitado e, numa carga alucinada desferiu um violento golpe com seu escudo, desequilibrando Soth. O cavaleiro virava-se para golpear o cigano, mas nessa hora Capsoniwon girou a espada sobre a cabeça e desferiu um pesado e certeiro golpe contra o peito do cavaleiro, transpassando sua placa de aço sobre o emblema da Rosa Negra. Um grunhido animalesco foi lançado pelo moribundo lorde negro e a rosa que carregava no peito começou a brilhar a medida que o sangue podre lhe escorria das entranhas. seu corpo foi se curvando e Beren e Capsoniwon seguram-no para que não caísse ali mesmo. A sentença fora enfim cumprida.

Na outra extremidade do salão, a fúria do dragão azul cego era extrema. O gigantesco réptil se debatia, varrendo tudo que encontrava pela frente. As velhas paredes da torre central de Nedragaard não iriam aguentar por muito tempo. Mas numa janela que mantinha-se misteriosamente intacta, o velho corvo negro guinchava: - Lorde Negro Através Lorde Negro Através...

Se os aventureiros hesitassem, acabariam sendo engolidos pelo desabamento que se anunciava. Todos se entreolhavam esperando que algo acontecesse ou que um deles tomasse alguma iniciativa. A sentença fora cumprida, afinal de contas. O que deveriam fazer agora? O que mais esse mundo doente esperava dos aventureiros de Ankara? Seria a profecia vistani apenas um delírio de Magda e seus Andarilhos???

A Rosa Negra no peito transpassado de Lord Soth ardia num tom negro avermelhado, como se estivesse desabrochando em sangue. O cavaleiro ainda emitia um som profundamente grave mas anda não tombara por completo. Estava claro que aqueles ousados aventureiros haviam derrotado o Cavaleiro da Rosa Negra. Mas também era certo de que ainda não haviam destruído-o por completo. Afinal, não se pode matar o que já está morto...

Mesmo quando parte das paredes da sala começou a ceder, o corvo negro insistia em seus guinchos e não se intimidava ao contemplar o desastre iminente naquele lugar profano. Os gritos do ave ficaram mais histéricos: - Lorde Negro Através! Lorde Negro Através! O grupo enfim reconheceu que aquele era o corvo de Magda e que esse estranho animal sempre repetia essa frase na presença deles. Foi quando Capsoniwon sussurrou a Beren e Thynnus num tom incerto:

- "Através do Lorde Negro"? Devemos passar através do Lorde Negro?!

Aquilo não parecia fazer sentido algum. Passar por onde? Como? A sala começou a ruir quando Khellendros lançou mais um raio por sua monstruosa boca. Esse atingiu o telhado em cheio. Thynnus, que ficou por um instante refletindo na sugestão da prima arqueira, olhava diretamente para o emblema na armadura de Lord Soth. De repente, sua expressão alterou-se para um olhar certeiro e ousado. O elfo então correu decidido rumo ao cavaleiro e saltou direto no seu peitoral. Magicamente Thynnus desapareceu ao tocar a Rosa Negra que ardia no peito de Soth. Ele havia atravessado o lorde negro, conforme anunciava o corvo. Essa era a saída daquele mundo desgraçado e corrupto...

O cigano Dimitre, que chamava a si mesmo de o "Caçador de Demônios", foi tomado por uma alegria infantil. Dava longas e sonoras risadas ao ver que os amigos de luta finalmente retornariam para casa. Desviando-se das pedras que caiam de todo lado, o cigano gritava:

- Vão seus tolos! Atravessem a Rosa Negra! Eu os encontro no inferno...hahahaha!!!

Lothar guardou o arco e correu desajeitadamente, tentando repetir a manobra do elfo. Capsoniwon procurou pelo irmão Beren. Viu que ele buscava a princesa Silvenne em meio ao desabamento. A garota tinha se abrigado em uma mureta e chorava desesperadamente. Antes de atravessar o portal, Lothar e Capsoniwon olharam com agradecimento ao cigano e ofereceram-lhe um último aceno. Logo depois, os dois mergulharam na passagem mágica sem mais olhar pra trás.

Silvenne havia machucado a perna e andava com dificuldade. Beren embainhou a espada e pegou a garota nos braços. Quando chegou perto do portal, olhou o cigano, que já procurava um lugar para fugir. Mas ao tentar atravessar, o elfo ouviu uma voz conhecida:

- Caro portador, o propósito de minha existência foi cumprido. Devemos nos separar agora para sempre. Eu pertenço a esse mundo e aqui devo permanecer. Faça uma boa viagem. Adeus...

Beren desembainhou a Fazedora de Votos e deixou-a sobre o corpo de Lord Soth. Apesar daquele monstro ter sido uma das criaturas mais malignas que Beren jamais punha os olhos, um dia ele fora um cavaleiro. Merecia sua última honra... Deixando a reflexão de lado, o elfo aproveitou a parada e resgatou a espada que roubara do príncipe Ragnar-Zu III, da Marbínia: a corrompida Lâmina das Sombras. Logo que empunhou a arma ouviu uma risada insana vindo de algum lugar que não quis verificar. Um último olhar foi lançado ao Dragão Azul Khellendros antes que Beren e Silvenne mergulhassem na Rosa Negra que desabrochava em Lord Soth.

Dimitre corria para o que sobrara das escadas de Nedragaard quando viu alguém saindo de trás de um monte de escombros, calmamente. Um elfo com os cabelos esbranquiçados e um olhar perdido se revelou ali. Em meio aquela destruição toda o cigano perguntou aos berros:

- Raistlin, o que você faz aqui??? Você deve voltar com eles! Vá, vá!!!

Raistlin olhou para o cigano como se nunca o tivesse visto antes. O mago repetiu com a voz trêmula e indecisa: - Raistlin...

O cigano pegou-o pelo braço e o empurrou em direção portal. O misterioso mago se deixou levar facilmente, como se estivesse entorpecido ou fraco. Ao mergulhar na Rosa Negra, Raistlin foi engolido por um clarão. Horas depois, o elfo acordou. Ouvia o som de ondas quebrando numa praia. Tinha uma enorme jóia nas mãos. Não sabia mais quem era, onde estava e nem para onde deveria ir...